Supremo Tribunal de Justiça
Secção Cível
Proc. n.º 136/12.5TVLSB.L1.S1
Acórdão de 28 de janeiro de 2016
I - Numa prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico-cirurgião pela autora, existe um vínculo obrigacional tanto entre o hospital e a autora como entre esta e o médico.
II - Ocorrendo, durante uma cirurgia ortopédica com anestesia por epidural, uma lesão de que resultou paralisia em membro inferior e outras sequelas, ocorre uma situação de cumprimento defeituoso das obrigações contratuais, e, simultaneamente, a violação de um direito absoluto, a integridade física da autora, verificando-se concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, com aplicação do regime daquela por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.
III - O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito, não cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade.
IV - Os pressupostos da responsabilidade civil do hospital aferem-se a partir da conduta dos auxiliares de cumprimento da obrigação de prestação de serviços médicos, dependentes ou independentes, que são todos os agentes envolvidos (cirurgião, anestesista, enfermeiros e outros).
V - A conduta dos auxiliares imputa-se ao devedor hospital como se tais atos tivessem sido praticados pelo próprio devedor e os pressupostos da responsabilidade civil do médico-cirurgião aferem-se pela sua conduta pessoal e pela conduta daqueles auxiliares de cumprimento da sua prestação cirúrgica.
VI - É do conhecimento geral que, do ponto de vista científico e técnico, o médico anestesista não está subordinado ao médico-cirurgião. Ainda assim, não é de excluir, em absoluto, a possibilidade de responsabilizar o cirurgião pela conduta do anestesista quando se apurar que este último era, em concreto, um auxiliar, ainda que independente, de cumprimento de obrigações de que aquele é devedor. Não tendo sido feito tal prova, o médico-cirurgião não é responsável pela conduta do anestesista.
VII - Provando-se que a violação da integridade física da autora ocorreu durante e por causa da execução do contrato é convocável a doutrina dos deveres acessórias de proteção, que têm uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à pessoa ou bens contra os riscos de danos concomitantes resultantes da sua conexão com o contrato.
VIII - Provada a ilicitude pelo desrespeito do dever de proteção da integridade física da autora, ocorrida durante a execução do contrato, aplica-se o regime globalmente definido para a responsabilidade contratual e presume-se a culpa do devedor.